A visão da Sonae e da EDP sobre a Análise de Dupla Materialidade

 

A entrada em vigor da Corporate Sustainability Reporting Directive (CSRD) transformou rapidamente o panorama da sustentabilidade corporativa no Espaço Económico Europeu. Esta diretiva de relato de sustentabilidade exige uma abordagem mais rigorosa e transparente na comunicação de questões ambientais, sociais e de governança (ESG), obrigando as organizações a considerar a forma como os fatores ambientais e sociais afetam o seu desempenho financeiro, assim como o impacto que as suas atividades exercem na sociedade e no planeta. A esta análise holística dá-se o nome de Dupla Materialidade.

Com o intuito de clarificar a importância do conceito emergente de Análise de Dupla Materialidade no contexto da nova diretiva e de debater a forma como as empresas podem enfrentar os desafios desta nova era, a Aliados Consulting reuniu, num webinar, dois especialistas em sustentabilidade corporativa: Sónia Cardoso (Head of Sustainability – Sonae) e Eduardo Moura (Senior ESG Advisor – EDP). Ao longo de uma dinâmica troca de ideias, os especialistas partilharam as suas experiências e perspetivas sobre como as organizações se podem preparar para os novos requisitos regulamentares, destacando as melhores práticas e os principais desafios.

Este artigo encontra-se subdividido nas mais relevantes aprendizagens extraídas desta conversa:

Hoje, as empresas têm de ser empresas abertas, têm de ser transparentes
— Eduardo Moura, Senior ESG Advisor EDP

Eduardo Moura, trouxe uma visão estratégica sobre a crescente importância da transparência no atual contexto empresarial, afirmando que as empresas já não podem funcionar como entidades isoladas e fechadas. "Hoje, as empresas têm de ser empresas abertas, têm de ser transparentes em relação a todos os seus stakeholders", destacou, sublinhando que a CSRD exige que as organizações forneçam informação material para que os seus stakeholders possam entender facilmente qual é o comportamento da empresa e como é que esta está a posicionar-se face aos desafios futuros.

É um processo de aprendizagem para todos
— Sónia Cardoso, Head of Sustainability SONAE

Sónia Cardoso partilhou a sua visão e experiência sobre o exercício da Análise de Dupla Materialidade, sublinhando que este é um processo em fase inicial para a maioria das organizações. As informações e diretrizes disponíveis para executar este tipo de exercício de forma eficaz ainda são bastante limitadas e muito subjetivas. "É um processo de aprendizagem para todos", afirmou, refletindo sobre a complexidade de implementar esta nova abordagem.

Um dos maiores desafios que relata ter enfrentado neste âmbito, para além da dificuldade em converter as orientações gerais da CSRD em ações práticas, foi perceber como poderiam convergir as várias áreas de negócio da Sonae num relatório consolidado e integrado. A Sonae é "uma holding com uma série de setores diferentes no seu portefólio", explicou, destacando que cada setor tem a sua própria dinâmica, o que torna o processo de unificação das informações ainda mais complexo. Para superar essa dificuldade, a Sonae optou por realizar um exercício bottom-up, onde cada empresa do grupo foi caracterizada individualmente. O objetivo foi garantir que o resultado deste processo pudesse ser usado como uma ferramenta de gestão e uma referência para a abordagem de cada empresa à sustentabilidade.

Eduardo Moura enfatizou também a importância do diálogo entre empresas neste novo cenário regulatório. "Hoje, o que acontece é que nós empresas temos de falar umas com as outras", afirmou, destacando que a EDP e a Sonae são exemplos de empresas que, sob a pressão dos reguladores, estão a colaborar para cumprir as novas exigências.


“Primeiro de tudo, fazer formação”

O Senior ESG Advisor da EDP, que conta já com 20 anos de experiência na elaboração de relatórios de sustentabilidade, partilhou os passos que a EDP adotou para garantir que a equipa estivesse preparada para trabalhar de acordo com a nova diretiva de relato da sustentabilidade, e que recomenda. "Primeiro de tudo, fazer formação", explicou Eduardo, como uma estratégia para garantir que todos os colaboradores envolvidos na elaboração do relatório financeiro e não financeiro compreendessem a diretiva e as normas complementares.

Eduardo aconselhou a que as empresas comecem por fazer uma leitura simples da diretiva, para se familiarizarem com os conceitos principais, sublinhando que “a leitura da diretiva é muito fácil se nós mergulharmos rapidamente naquilo que são as ESRS, que são os detalhes de cada um dos pontos sob escrutínio da legislação”.

Sónia destacou ainda a importância de sensibilizar as várias áreas internas como um passo crucial no processo, abrangendo não só as equipas responsáveis pelo relato financeiro e não financeiro, mas também as áreas de risco, ambiente, recursos humanos, responsabilidade social, governança e outras. Na Sonae, foi organizado um encontro onde todas essas equipas se reuniram para uma formação dedicada aos conceitos de sustentabilidade, o que, segundo a mesma, foi essencial para que todos entendessem que também as suas ações e atividades contribuem para a sustentabilidade da empresa.

“Contratar uma consultora externa”

Eduardo relatou que o segundo passo que a EDP implementou para assegurar que a equipa estivesse devidamente preparada para cumprir os novos requisitos da CSRD foi “contratar uma consultora externa”, para garantir uma interpretação precisa e imparcial das normas, evitando enviesamentos naturais provocados pela forma como os relatórios eram tradicionalmente feitos. "A maneira como fazemos antes condiciona muito a maneira como lemos a diretiva", constatou. O passo seguinte foi realizar um diagnóstico interno, identificando as lacunas analíticas, de indicadores e de processos. E, por último, passaram à prática! Eduardo destacou que a EDP já realizou um primeiro exercício de Análise de Dupla Materialidade este ano, mas sublinhou que este é apenas o início. O grupo planeia apresentar um resultado mais robusto no próximo ano.

“Algumas empresas aqui já têm sistemas de gestão em prática e podem rever esses sistemas”

Para facilitar o processo na altura da realização da Análise de Dupla Materialidade, os especialistas encorajaram as empresas a examinar os sistemas de gestão que já estão implementados e a utilizá-los para a caracterização da cadeia de valor, identificação de riscos e impactos, determinação de escalas, níveis e categorias de riscos, entre outros. “Algumas empresas aqui já têm sistemas de gestão em prática e podem rever esses sistemas” para extração de dados e integração dos mesmos na sua Análise de Materialidade. A chave, segundo Sónia, está na integração destes processos, para que a empresa tenha uma visão mais clara e coesa do que deve ser gerido. Para facilitar o exercício, a Head of Sustainability da Sonae sugere debruçarmo-nos sobre a seguinte questão: "Onde é que nós já temos coisas que podemos usar?”.

"Não podemos olhar ipsis verbis ao resultado matemático desta avaliação”

A escolha criteriosa de stakeholders para o processo de auscultação foi outro ponto desafiante mencionado por Sónia. A equipa de sustentabilidade da Sonae precisou de refletir bastante sobre quais stakeholders deveriam ser envolvidos, qual a sua capacidade crítica sobre os temas da sustentabilidade e de que forma poderiam influenciar os resultados. A Head of Sustainability da Sonae partilhou que é importante envolver os stakeholders com conhecimento profundo da organização e das temáticas da sustentabilidade. Acrescentando que, "não podemos olhar ipsis verbis ao resultado matemático desta avaliação", referindo-se à auscultação de stakeholders, uma vez que as respostas nem sempre são fundamentadas. É necessário haver uma análise crítica interna, envolver a gestão de topo na filtração das avaliações e identificação dos verdadeiros temas materiais, porque “na verdade, é sobre esses que vamos gerir”, rematou.

Segundo a visão de Eduardo, o foco deverá estar nos stakeholders negativamente afetados, tendo referido que “nesta diretiva não há auscultação de stakeholders, o que há é auscultação dos stakeholders impactados negativamente”.

“Aquilo que é verdadeiramente material tem de estar sob gestão”

Um dos maiores desafios sentidos e apresentados por Eduardo foi ter de lidar com a enorme quantidade de assuntos materiais que surgiram no início do processo. "Começámos por identificar 600 e tal data points que eram materiais", relatou, explicando que, agora o foco está em filtrar e priorizar o que é verdadeiramente relevante e pode ser gerido. "Aquilo que é verdadeiramente material tem de estar sob gestão e não podem ser 600 assuntos", concluiu, aproveitando para partilhar essa aprendizagem fundamental com os ouvintes. Sónia Cardoso concordou, partilhando a sua visão de que a “capacidade de gestão enquanto empresa ajuda a filtrar” os temas que são realmente materiais.

“Usar o exercício das oportunidades como um exercício para inovar”

Sónia partilhou também a sua perspetiva de que devemos adotar uma postura orientada para a criação de impacto positivo. Segundo a mesma, é importante “usar o exercício das oportunidades como um exercício para inovar e para nos posicionarmos de forma realmente mais ambiciosa e que vai além do que é a mera gestão do impacto negativo”. Na sua opinião, se todos tiverem esta visão de criar impacto positivo, este exercício tornar-se-á numa ferramenta muito útil, capaz de nos guiar rumo a um futuro verdadeiramente mais sustentável.

“O benefício de estar numa associação empresarial que acompanhe estes temas é gigante”

Especialmente para as pequenas e médias empresas, Eduardo destacou a importância de se associarem a organizações empresariais, como o BCSD e associações setoriais, que poderão oferecer um suporte valioso ao longo do processo. “Quando estamos em empresas relativamente pequenas e só temos uma pessoa (…) com o tema da sustentabilidade, o benefício de estar numa associação empresarial que acompanhe estes temas é gigante”, rematou com esta dica que acredita fazer toda a diferença.

“Façam o primeiro exercício sem medo de errar”

Em jeito de conclusão, não podíamos deixar de destacar a valiosa recomendação de Eduardo: “façam o primeiro exercício sem medo de errar”. Esse conselho reflete a importância de começar o processo, aprender com os desafios e aperfeiçoar a abordagem ao longo do caminho.

A jornada rumo à sustentabilidade é feita de tentativas, ajustes e progressos, e é fundamental que as organizações iniciem o caminho sem receio, assumindo a inovação e a melhoria contínua como parte integrante dessa transformação.

Este artigo foi escrito com base nas intervenções realizadas por Sónia Cardoso e Eduardo Moura durante o webinar sobre a Análise de Dupla Materialidade, promovido pela Aliados Consulting, no dia 3 de outubro de 2024.

Pode assistir aqui ao webinar

 
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